REVISTA CONCERTO Em conversa – Ricardo Castro

1) De que forma você iniciou sua formação musical?

Ouvindo aulas de piano de minha irmã em casa aos 3 anos de idade e em seguida nos Seminários de Musica da UFBA com Esther Cardoso aos 5 anos

2) Tal como muitos pianistas brasileiros importantes, em 1984 você foi a Europa realizar seus estudos. Entretanto, você empreendeu esta jornada com recursos próprios, e não por meio de bolsas de estudos. Como foi viver e estudar música na Europa sob estas condições?

A dificuldade maior para um jovem que sai do pais não é financeira. Se tem um pouco de sorte, competência real no que faz e perseverança, sempre encontra alguma ajuda.
O difícil é deixar as pessoas que ama para ser melhor no que faz. Minha meta é poder oferecer ao brasileiro condições ideais de aprender aqui mesmo e ir à Europa somente para períodos curtos. Para isso precisamos da nossa Juliard School urgentemente. Se juntarmos os brasileiros que estão “exilados” por aí oferecendo condições dignas de trabalho, teremos uma das melhores escolas do mundo.

3) Ainda sobre seus anos de formação (ou à la Liszt, “anos de peregrinação”), você participou de diversos concursos de piano. Li seus interessantíssimos relatos em seu site, mas gostaria que sintetizasse sua impressão sobre esta experiência. Até que ponto eles foram importantes para sua formação como músico?

Para a formação, serviram para provocar um ritmo de estudo mais puxado. Mesmo assim não tenho certeza de que este ritmo tenha sido positivo artisticamente, pois era um trabalho voltado à competição e não à linguagem artística em si que não deve usar a competição para se desenvolver.

4) Ainda sobre os concursos, você acredita que eles cumprem sua função de revelar bons músicos?

Por acaso acontece, mas é por acaso mesmo. A maior função dos concursos acaba sendo  tirar os perdedores do “mercado” já há muito tempo saturado.

5) Em 2003 você iniciou uma parceria com a pianista portuguesa Maria João Pires.
i) Como foi que este contato ocorreu?

A conheci na França em 2000 quando fui escolhido junto com outros 10 jovens pianistas para passar 15 dias em um castelo tomando aulas com ela.
Ela ficou uns 5 dias somente devido a um problema de saúde, mas foi o suficiente para iniciarmos uma amizade que dura desde então.

ii) Como têm sido trabalhar como ela?

Costumamos dizer que tocamos juntos porque não precisamos ensaiar.
Para nossa ultima apresentação no Wigmore Hall de Londres, depois de mais de cinco meses sem concertos juntos nos encontramos 3 horas antes do evento e o resultado foi excepcional.
Além disso é muito gratificante dividir o palco com uma artista tão excepcional. Gostamos também de tocar com vários outros músicos, que é a forma de apresentação que mais nos interessa atualmente. Tocar recitais solo pode ser muito pouco recompensador artisticamente e humanamente,. A não ser para aqueles que (sobre)vivem da “gloria”.
Os que se restringem muito à atividade solo acabam com algum “distúrbio mental” grave... O problema é que o público gosta de ver esses personagens estranhos entrarem sozinhos no “picadeiro”...

iii) Quais seus futuros projetos e apresentações?

Temos em mente umas “Schubertiades” na Europa e vamos preparar um programa Beethoven com Op.134 "Grosse Fuge" em versão a 4 mãos do próprio compositor junto com as 3 ultimas sonatas.

6) Como surgiu seu interesse pela regência? Quem foram seus principais professores e referências (mesmo que não tenha tido contato direto)?

Regia desde 10 anos de idade, quando morava em Juazeiro, da única forma possível para quem mora naquela cidade; regendo discos... Se tivesse orquestra por lá, com certeza teria começado a reger mais cedo.
Quando voltei aos 12 anos morar em Salvador, minha professora de piano, como acontece sempre, monopolizou meu tempo e nem discos com obras orquestrais consegui mais ouvir.
Mesmo assim, meu interesse pela musica sinfônica ficou e tomou proporções ainda maiores quando fui morar na Europa ao ouvir grandes orquestras ao vivo.
No Conservatório de Genebra aproveitei para estudar regência com o húngaro Arpad Gerecz. Admito que não aprendi muito. Reger bem requer reger muito, e como já tinha uma boa carreira de jovem pianista fiquei sem tempo para a atividade.
Só voltei a reger (sem ser do piano) ano passado quando voltei para a Bahia.

7) E como é a coexistência entre o Ricardo Castro pianista com o regente?

Pacifica e feliz!

8) Desde janeiro de 2007 na direção artística da Orquestra Sinfôncia da Bahia. Como tem sido este trabalho? Quais os principais desafios e dificuldades que têm encontrado? Por outro lado, quais alegrias tem vivenciado nesta atividade?

Vivo em eterna gincana. O que me cansa mais é a inércia da maquina estatal. Já avançamos muito dentro do Estado, mas nossa única saída é sair dele como fez a OSESP ou a Estadual de Minas.

9) Por outro lado, como está caminhando o Núcleo de Orquestras Juvenis e Infantis do Estado da Bahia (NEOJIBÁ), bem como a parceria com o FESNIJOV, da Venezuela?

Conhecer o FESNOJIV e implantar o projeto NEOJIBA na Bahia foi a razão principal para minha volta ao Brasil. Sem isso nunca teria aceito a direção artística da OSBA.
Temos trabalhado intensamente, mas o caminho é longo. O FESNOJIV existe há 32 anos... Esperamos ir mais rápido porque podemos contar com o apoio incondicional de José Antônio Abreu, o idealizador infatigável do projeto na Venezuela.

10) No seu ponto de vista, quais são as principais diferenças entre os mercados musicais de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador?

Não podemos chamar de mercado o que existe na Bahia atualmente.
Mas estamos em vias de ter um dos mais interessantes do país, pois estamos gastando dinheiro público para formar brasileiros, ao contrário do que tem se feito no resto do país que para ter orquestras vai buscar mão de obra no exterior. Nossa meta é incluir a prática orquestral no currículo escolar e criar uma escola de excelência para nossos jovens. Já temos o interesse de grandes nomes da musica, afinal tem muita gente que gostaria de morar na Bahia e poder se realizar profissionalmente ao mesmo tempo.

11) Em meio ao repertório clássico tradicional, é notória sua aproximação com a música popular. Em seu caso, qual o porquê desta aproximação?

Sempre toquei “de ouvido” e isso me permitiu aprender outros instrumentos populares como o violão. Daí a me aproximar da bossa nova foi fácil, principalmente morando em Juazeiro, terra de João Gilberto.
Depois, em Salvador, no meu circulo de amizades tinha muita gente da área da musica popular. Na verdade sempre gostei de musica boa. Seja uma Sinfonia, um Flamenco, uma Valsa, um Samba ou Canções de Mahler.

12) Desde 1992 você passou a se dedicar de forma mais sistemática ao ensino de piano, atuando na classe de virtuosidade do Conservatório de Friburgo, na Suiça. Como tem sido esta experiência?

Meu lema é “aprende quem ensina”.  Além disso, musica é como a alma, se não for generosa acaba perdendo a luz. Por isso e muitas outras coisas o ensino me proporciona muitas alegrias. Sei que recebo mais do que dou.

Contraponto (perguntas sucintas com respostas breves)

Um(a) pianista que admira:
Brendel

Um músico ou musicista que admira:

Claudio Abbado

Recital, concerto ou música de câmara?:

Concerto e musica de câmera

Uma peça ainda por tocar:

“Gaspar de la nuit” de Maurice Ravel

Uma peça que tocaria quantas vezes fosse necessário:

Sonatas de Beethoven em geral

Uma peça que nunca mais quer tocar:

Op 2 “La ci darem la mano” de Chopin

Uma gravação que julga fundamental:

Brahms: Sinfonia n. 4 com Carlos Kleiber

Um livro que julga fundamental:

São muitos, depende do período da vida do leitor...

Um momento inesquecível:

Assistir um concerto excepcional

Se não fosse músico, gostaria de ser:

Pintor e escultor

Ser pianista é:

Pouco

Música é:

Linguagem do coração

Música não é:

Mercadoria

Obrigado pela entrevista!

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