Ricardo Castro é um pianista notável, magnífico. A frase é de Claude Chabrol, amante e conhecedor da música clássica. Nunca faltam os grandes compositores em seus filmes. Também nunca um instrumentista brasileiro esteve nos créditos de sua obra. O baiano Castro, 35 anos, recebeu um telefonema do cineasta francês no início deste ano, em sua casa na Suíça, onde está radicado desde 1984. Era o convite para Merci pour le Chocolat.
Tempero baiano em peça diabólica

8 de setembro de 2000

A proposta se justificava pela co-produção franco-suíça e pela história passada em Lausanne. O diretor conhecia e admirava o pianista. Em maio,  Castro já estava filmando na bela casa com vista para os lagos suíços, cenário da fita. Foi a primeira vez que trabalhei para o cinema e não poderia ser para um realizador melhor. Chabrol ama e entende muito de música e nos afinamos rapidamente, diz o pianista, por telefone, de sua residência
em Genebra.

A experiência foi para além do universo musical. Castro tocou diretamente no set para dar autenticidade à idéia do som ambiente. Fazia as vezes do personagem de Jacques Dutronc, emprestando suas mãos ao ator, e escolheu ele mesmo uma de suas alunas, Aline Joussi, para as cenas de piano a quatro mãos. Representamos de certa forma a mesma situação do
filme, a do mestre testando a discípula; por sorte já me divorciei, brinca, em referência ao personagem diabólico de Huppert.

Castro, de certa forma, também desempenhou a função de um diretor. Além de ter sugerido sua jovem aluna - as mãos também deveriam ser parecidas com as da atriz Anna Mouglalis -, ele assinou os arranjos e teve decisão final no repertório, que tem Schubert e Mahler, mas, principalmente, Franz Liszt. É do compositor a peça de resistência do filme, os Funerais, na verdade uma composição única. Foi feita para a morte de Chopin, lembra
Castro. Nada mais adequado ao tom melancólico e sombrio do filme. Castro sugeriu a Chabrol depois de ter lido o roteiro. Por sua vez, o cineasta disse que teve uma espécie de iluminação ao ouvir a interpretação de Castro, como foi a de ter unido Huppert a este personagem, ficou perfeito. Ele adiciona: É estranho dizer isso, mas a perversão do
personagem cabe inteira na música e vice-versa. Castro concorda. Tem tudo a ver com o gênero policial de que ele gosta e mais ainda neste filme de tom psicológico, moribundo.

Castro nasceu em Vitória da Conquista e aos 5 anos já era admitido na escola de música de Salvador, liderada por Hans Joachim Koellreuter. Três anos depois, deu seu primeiro recital. A ida para a Suíça lhe abriu portas de conservatórios e prêmios internacionais. Dedicado ao repertório romântico, ele tem gravado Chopin, mas também De Falla, Bach, Bartók e Mozart. Solista de diversos conjuntos na Europa, Castro acredita que foi tal prestígio que lhe trouxe o convite de Chabrol. Narra a experiência como familiar. Chabrol trabalha em família, com sua mulher Aurore e o filho Matthieu; não bastasse, há a atriz predileta dele, Huppert. Tudo isso garante um clima muito acolhedor, amistoso. Surpreende quando indica que o temperamento difícil da diva cai por terra na intimidade. É dos franceses serem reservados. Castro esteve em julho no Brasil, se apresentando com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Volta na temporada de 2001. (Fim de  Semana/Página 1)

Orlando Margarido

Fonte: Gazeta Mercantil
Fim de Semana

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